segunda-feira, 21 de abril de 2014

Ouça isto...


Para Glauco Affonso Tejo
21/ 03/ 14 - 13/ 04/ 14
Filho Amado

Se é verdade o que dizem
disso do corpo acabar
mas infinito ser o espírito

então

ouça isto...

não lembrarei de você apenas
o primeiro ultrassom
você e seu irmão pequenas manchinhas
no útero da mamãe

nem dos beijos que eu dava, toda noite,
na barriga que crescia

não lembrarei de você apenas
a hora do parto
-daquelas emoções
               únicas na vida-
você calmo e sereno
ao contrário do xará da Ilíada
nas mãos da enfermeira que lhe aplicava
os primeiros cuidados

não lembrarei de você apenas
o susto de te ver coberto
de fios e instrumentos que apitam
e a ansiedade de olhar as máquinas
     que monitoravam teus sinaizinhos

não lembrarei apenas
da vigília, em pé, diante da incubadora
acompanhando preocupado
as máquinas
     que monitoravam teus sinaizinhos

não lembrarei apenas
que costumava acarinhar, suavemente,
com a ponta dos dedos,
os cabelinhos de sua cabeça

não lembrarei apenas
das pequeninas vitórias diárias

               - já voltou pro leite
               - já está mais gordinho
               - já respira melhor
     
               às quais, pais iludidos, nos
               apegávamos

não lembrarei apenas, filho,
que seus curtos 23 dias de vida
trouxeram para nós emoções jamais vividas
da esperança à dor, da ansiedade à fé
angústia e confiança

e o amor incondicional, que só quando somos pais conhecemos

tampouco lembrarei apenas
daqueles momentos depois
               (e esse "depois" é o eufemismo
               mais triste jamais posto em um verso)

de como o pequeno caixãozinho de criança
era enorme para você

de como chovia pesadamente
no caminho para a cremação

de como dói olhar o quarto com dois berços montados
               e saber que um deles estará sempre vazio

ouça isto...

lembrarei sempre de tudo

mas a lembrança principal, é esta:

dos seus olhinhos se abrindo
naquele último dia
brilhantes e escuros, como os meus
parecendo me reconhecer
parecendo
               sorrir
e, sorrindo e brilhando,
emocionando seu pai.

Esse foi o último dia.

Na manhã seguinte, o telefonema
               e o domingo todo de lágrimas.

Se é verdade o que dizem
disso do corpo acabar
mas infinito ser o espírito

então

ouça isto...

assim como eu, naquela vigília de medo e esperança
velava o seu sono
em sua redoma de prematuro

possa você, agora,
das paragens celestes onde se encontra

(se é verdade o que dizem)

possa você, agora
          velar
               o sono
                    do seu pai.




quarta-feira, 9 de abril de 2014

Da dificuldade da poesia


Hoje foi bom:
               um haikai
               e um poemeto.

Às vezes é preciso
a vida
inteira
para isso.

Montanhas são quebradas
dinamitadas, perfuradas
escavadas

e só encontram um
pequeno veio
de esmeraldas.

Também vivemos enormidades
e, anos depois,
da ferramenta
de minerador
          só brota
              um versinho.



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