domingo, 4 de dezembro de 2016

A depressão não é boa musa


(ao som disto)

A depressão não é boa musa.

Observe:
como a caneta pesa
e a mão vacila
e as ideias,
confusas
hesitam em sair.

Não escreva deprimido.

Digira tudo
deixe que ela,
a depressão
evanesça como um sonho
tolo.

Daí escreva.
Mas só agora,
só assim

sem essa musa malvada
travando sua caneta.



segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Foi muito real, ela disse


Foi muito real,
          ela disse:

ruas escuras,
como são as dos sonhos
chuvosa, a noite
e nós dois:
em
confidências
          e segredos
pelas
vielas oníricas
de tempos idos.




quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Lá fora, também azul


Ela se inclinava sobre o vidro e, ao apoiar o corpo
as costas se mostravam largas e fortes.

Costas de Atlas a suportar o mundo,
ela debruçada sobre o parapeito.

De tonalidades distintas de azul,
o vestido
leve, diria vaporoso
talvez suave neblina a envolver o corpo.

Envolvendo o corpo
ondas de matizes azulados
lá fora, também azul
o céu de um dia ameno.



domingo, 31 de julho de 2016

terça-feira, 12 de julho de 2016

E uma estrela sobre o mar escuro


Maria, a da bíblia,
tem vários nomes.

Stella Maris,
por exemplo
e li isso com ternura
que stella maris
sempre me soou
          mistério e enigma.

É que o latim arcaico
traz milagres
e uma estrela
sobre o
mar escuro.

E a estrela sobre águas cambiantes,
num átimo
algo como maresia
preenche o ar
na madrugada urbana.



quinta-feira, 30 de junho de 2016

Se espalhou sobre a galáxia de lençóis


O universo era uma cama de
                   lençóis brancos.

Eu, cosmonauta impávido
de joelhos sobre o campo alvo

enquanto ela, ao lado
cientista atenta em seu experimento
era só movimento de mãos
no ritmo
          cadenciado
                    e firme
que só o dos planetas teria.

Então tudo se torna
explosão e
energia liberada

supernova- em termos astronômicos

e de fato láctea
          a via
                    de estrelas

se espalhou sobre a galáxia
          de lençóis.




sábado, 25 de junho de 2016

Revisitando Copacabana


20/ 06/ 16
Não teria sido coincidência
o dia estar chuvoso
e o céu
daquele chumbo-leitoso
          das lembranças.

É que rever os lugares
de três décadas atrás
exigia um dia
assim.

O céu de chumbo-leitoso
combinando com o amarelo-desmaiado
         quase bege
do prédio que paira sobre a praça
evocando memórias antigas
         de presépios.

Ou com a fachada do velho colégio
não mais o
vermelho-tijolo
da infância.

E que cor teria,
a fachada da loja que
          já não existe?
Galerias
comércios perdidos na memória
          - ali era uma quitanda.

O dia estar chuvoso
não foi coincidência:
a esquina da Tonelero
com a Santa Clara pedia assim
para que os prédios adquirissem
essa sobriedade
de medievo europeu.

E para que, no Bairro Peixoto,
os olhos marejassem-
pensou que só o céu estava
          nublado?

Pois também os olhos
ao verem
que na praça
os brinquedos
estão
no mesmo
lugar.

Alguma coisa mudou, é verdade.
Nós, inclusive?
Para melhor
          ou pior?

Encanecidos
engolimos as lembranças
e voltamos ao metrô.

O lugar está lá, eu sei
o consolo é este-
não geográfico
mas, na alma
cada lugarzinho
está marcado.

E o metrô é o arrastar
de tudo
com as memórias
o passo apressado ao
túmulo,
dissera Henry Miller.



sexta-feira, 27 de maio de 2016

O baú das ideias perdidas


O baú das ideias perdidas.

É assim:

vem a inspiração
     (brota
          cresce
     oferece o fruto)

mas não temos
     papel
     caneta
     tinta
     lápis.

Ah.

À noite
na cama
tentamos lembrar
     cada versinho

em vão.

Perdidos para sempre, aqueles versos.

Algo como um aborto,
o verso
que não chegou a ser.




domingo, 15 de maio de 2016

Tristezas que são doces


tristezas que são doces:
temos muito disso

por incrível que pareça
procuramos por ela
ansiamos
desejamos
cavamos e
          cavucamos

e vemos fotos ouvimos músicas assistimos filmes lembramos conjeturamos lemos livros e poemas
sabendo que tudo isso
é apenas para
sentir
tristeza

- mas uma tristeza doce, senhores
por isso
no amargor da vida
procuramos por ela




sexta-feira, 1 de abril de 2016

E se chamava Marília


ela era morena e se chamava marília
e eu lembrava da marília de dirceu
quando emprestei o caderno
(isso foi no tempo do colégio)
e ela devolveu rabiscado
com gravuras e desenhos
estrelas e sóis
e eu nunca apaguei aqueles rabiscos
até que o caderno acabou
e assim foi jogado fora.



domingo, 20 de março de 2016

Patinar em gelo bem fino


Patinar em
     gelo
          bem
               fino.

É como a vida tem sido,
eu digo.

Qualquer coisa-
     e a estabilidade
          acaba.

Se é assim,
ela responde

     talvez ela
          a estabilidade
               não esteja
                    aí.

Onde, então?
Se sequer
     gelo
          fino
quebrando por
     qualquer
          coisa.


quarta-feira, 9 de março de 2016

Ser como a água


Ser como a água
— ela propõe —
em toda
fluidez suavidade maciez

quando sim

e toda dureza força quedas d'água afogamento naufrágio

quando sim

entre uma e outra,
ela propõe

sejamos água

a vida,
como um recipiente

(de cristal polido, algo ordinário)

nos moldando
conforme
necessário.


sábado, 27 de fevereiro de 2016

Ler histórias de fantasmas (2)


- Temes os mortos, querida? 
-Ah, deles falar se escusa...
(G. A. Bürger, "Lenore")

Vaporosos
tênues
sutis

mesmo delicados

esses
     amigos.

Todavia
sentires medos
fecha o livro
com cuidado
com vagar
coloca-o de lado:

estarão lá ainda
esses
     amigos

os únicos que restam

quem
     sabe?




quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Ela que fotografa estrelas


A estrela mais brilhante

capturada por ela
tem algo
de diamante
sobre carvão,

o silêncio noturno
e seu farol.

Ela, um solzinho aqui embaixo
procura no céu
por suas irmãs.




domingo, 21 de fevereiro de 2016

Reclamem com a vida


Os versos
andam tristes,
eu sei.

Lamento.

Quando for assim
reclamem

-por obséquio-

com
     a vida

não com
     o poeta.




sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Compondo no céu nuvens


A chuva cai.

Não caísse,
chuva não seria:

e sim um represado

          orvalho de lágrimas

compondo
no céu

nuvens

de um branco leitoso,

         quase acinzentado.



sábado, 13 de fevereiro de 2016

O milagre da torneira


Com o Heitor em São Conrado
Fev/ 16 (2 anos mesmo só em março!)

Água corre
água para.

Meu filho

abre e fecha a torneira no jardim
e ri, maravilhado
com a água surgindo e sumindo.

Queria ter a singeleza de meu filho de dois anos
para rir,
maravilhado
com esse milagre
          simples
da vida
da água apenas
          surgir
e apenas
          sumir
quando abrimos e fechamos
a torneira.

Há milagres mais sérios?

Fiquem vocês com eles, sabichões
pois eu prefiro
com meu filho de dois anos
rir do mistério do universo
que é
a água apenas
          surgir
e apenas
          sumir
quando abrimos e fechamos
a torneira.





sábado, 30 de janeiro de 2016

Solve et coagula


para a j.m.

Se a vida é líquida, como disse a
Hilda Hilst?

Bem,

desemprego, dores e lutos
falência e miséria
ressacas e doenças

descem sólidos

rasgando

como um parto
     ao
          contrário.

E sólidos engolimos

para digerir

         um dia

         talvez?

Bem,

é sólida, a

     mágoa

mas para ela há

-quem sabe?-

     o solvente

          da

              poesia.




terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Lembranças fugidias como um cheiro no vento


Humores mudam
às vezes por pouco.

Estamos
pensando em algo
sentindo algo

mas basta um
          detalhe

para que tudo
          mude.

Andando pelas ruas
lembranças surgem
de uma forma
         casual

e somos jogados
de uma emoção
a
outra.

Por exemplo:
um cheiro no vento
ou um perfume

ou, agora
o olhar da moça transeunte

e já não estamos mais aqui

-onde?

lembranças fugidias
como
um cheiro no vento
ou um perfume.



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