terça-feira, 13 de agosto de 2024

Bebendo solitário ao luar


Poemas alheios

Li Po (Li Bai), 701–762,
a partir desta versão
em inglês

Sob as árvores com um jarro de vinho:
sem amigos, eu bebo sozinho.

Faço um brinde à lua
e, a minha sombra, vejo-a nua.

Ainda que a lua em si não beba
e minha sombra não tenha dança que a perceba,

ficamos amigos todos nós três;
celebramos a vida, aqui sob os ipês.

Se canto, a lua vem cantar comigo;
se danço, vem a sombra e seu bailar amigo.

Bebendo, compartilhamos a alegria;
já bêbados, cada um segue a sua via.

Mas combinamos novos encontros de amantes,
em apaixonadas orgias nos astros distantes. 

 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Shhh não digas nada para Deus


Poemas alheios

Jalal ad-Din Rumi
a partir da versão em inglês 
de Shahram Shiva

Vê meu rosto pálido,
sente minha dor infinda,
e não digas nada para Deus. 

Vê meu coração dorido,
meus olhos que vertem como um rio,
sente tudo que tu vês passar por ti,
e não digas nada para Deus. 

Na última noite teu espírito visitou
a morada de meu coração,
bateu à porta e disse,
vem, abre,
e, shhh, não digas nada.

Mordi minha mão quando te vi,
eis que muito doloroso é desejar por ti.
Ele disse, pertenço somente a ti,
liberta a tua mão e,
shhh, não digas nada.

Ele disse, és o instrumento que eu toco,
não podes cantar sem que meus lábios toquem os teus.
Espera que te tocarei como uma harpa
e, até então,
sobre minha melodia
não digas nada. 

sábado, 5 de agosto de 2023

Tarde de inverno é lembrança antiga


Para os bisavós paternos
Júlio Augusto português
e Seraphim espanhol,
"o inventário do que somos"
 (Gramsci).

Saravá, brasilidade. 

No frio as mulheres parecem ser
mais pálidas —
reparei nisso

pelas ruas
algo das nuvens e vento
parece evocar uma tristeza

ibérica que temos.

Ainda que sejamos pretos, mulatos e índios,
solares e luminosos

no Rio de Janeiro tarde de inverno
é lembrança antiga,
desbotada

algo atávico, velho
algo de europeu

que ficou lá longe.