quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
O sono assim vem calmo
Brisa noturna
sobre a cabeça
ao dormir:
houver ronco de avião ao fundo
tanto melhor
algo como um trovão distante
silenciando aos poucos.
Acalentado,
o sono assim vem calmo
por aviões que evanescem
na quietude urbana.
sábado, 15 de dezembro de 2018
Amores que já tive
Você já esteve em um veículo
que
morreu?
Carro, ônibus, qualquer coisa de motor.
Apaga de súbito.
Vibrando impetuoso
enérgico
mas então
uma falha, um toque
um pisão em falso
na embreagem
e para silencioso.
Acabou.
Parece muito
com amores
que já tive.
sábado, 10 de novembro de 2018
Só tendo o verso para presente
Má poesia, para ela?
Escrevê-la:
melhor não,
enfim.
Que só tendo o verso para presente
do mais belo e inspirado que seja.
Versejar,
por si?
Não para ela
que exigente.
domingo, 4 de novembro de 2018
Sem deixar de morar em meu coração
Poemas alheios
Capítulo VI do "Tarjuman al-Ashwaq",
do Shaykh al-Akbar [Grande Mestre]
Ibn al-Arabi
Ibn al-Arabi
a partir da versão em inglês
de R. A. Nicholson
(ao som disto)
Quando eles partiram
toda a coragem e ânimo
também partiram.
Partiram,
mas sem deixar de morar
em meu coração.
-Ah, pergunto,
onde eles descansam
ao cair do meio-dia?
-Repousam, me respondem,
onde as árvores
exalam seus perfumes.
Bem,
ao vento então peço:
-Vá atrás deles!, que estão pelo bosque,
e leve minha saudação
a de alguém que ama e sofre
cujo coração
lamenta a perda dos amados.
sábado, 3 de novembro de 2018
Pronto pra outro
Quer
outro?
ela perguntou espantada
mas já
se ajeitando
de joelhos.
Apenas ri
e ofereci pra ela
ainda não todo rijo
mas
claro
pronto pra outro.
sexta-feira, 2 de novembro de 2018
Quando a madrugada é só silêncio
Na última sexta
ele veio
uivante.
Mas íntimo demais
para ser assustador,
todavia
algo já familiar
e terno
como um perfume antigo.
Ele,
a Solidão, esse espectro
quando a madrugada
é só silêncio
apesar do Youtube
despejando monocórdio
canções aleatórias.
domingo, 28 de outubro de 2018
Opostos inconciliáveis
Poemas alheios
Capítulo V do "Tarjuman al-Ashwaq",
do Shaykh al-Akbar [Grande Mestre]
Ibn al-Arabi
Ibn al-Arabi
a partir da versão em inglês
de R. A. Nicholson
Estou na planície
mas anseio as montanhas:
-são opostos
inconciliáveis.
Jamais
estarei
em equilíbrio
portanto.
O que posso fazer?
Ah, minha alma,
não me encha de culpa.
Eis que, por ora,
sou todo lágrimas e lamentos.
Os camelos, exaustos da viagem,
desejam o lar
como amantes.
Depois que partiram
de minha vida nada mais resta
exceto
aniquilação.
Pois sim
adeus a tudo isso.
quinta-feira, 25 de outubro de 2018
Promessas em aberto
Ao chuveiro
tentei, solitário
o orgasmo
mas ele não veio.
A lua,
à noite, me instou
ao poema
mas ele não veio.
Um e outro
orgasmo
e poema
ficaram
por assim dizer
como que suspensos, adiados
promessas em aberto.
sexta-feira, 12 de outubro de 2018
O perfume inundava o ar
Posso botar atrás...?
pode
respondeu ela esticando a mão
e sacando o creme da bolsa
a seco não dá
disse
e assim
enquanto eu
deslizava macio
o perfume do creme
inundava o ar
quarta-feira, 26 de setembro de 2018
É o que fazem apaixonados como eu
Poemas alheios
Capítulo IV do "Tarjuman al-Ashwaq",
do Shaykh al-Akbar [Grande Mestre]
Ibn al-Arabi
Ibn al-Arabi
a partir da versão em inglês
de R. A. Nicholson
A minha saudação faço
àqueles que lá estão:
- eis que saudar
feliz, o mundo,
é o que fazem
apaixonados
como eu.
E que mal faria
se ela
saudasse
de volta?
Mas mulheres como ela
a nada se submetem.
De modo que viagem seguimos
pela noite que caía.
E dela acercando-me disse:
"- Perdoa um apaixonado
passionalmente
perdido e perturbado
preso nas garras do desejo
e alvo de suas flechas
para onde quer que vá".
Seu sorriso foi um relâmpago
e não pude discernir
quem
de nós dois
mais devia
à melancolia.
E então ela respondeu:
"- Não basta para ele
que eu esteja em seu coração
e que me contemple todos os dias?
Não é suficiente?"
sábado, 28 de julho de 2018
Terremotos em nossas vidas
Cenários apocalípticos
em meus sonhos
são uma constante.
Neste,
tudo começou com ela
tão arredia
diria
aristocrática
a gentileza de fidalgos
mas agora já no sonho
toda beijos e abraços
e línguas
sinuosas.
Então abalo sísmico
chãos que tremem
ondas e silvos
torres tombando
e explosões.
Tentamos nos proteger,
em vão, quem sabe?
Talvez a onírica metáfora
seja esta:
— elas, sempre elas
são terremotos
em nossas vidas.
quinta-feira, 19 de julho de 2018
Ela que brilha como o sol quando sorri
Poemas alheios
Capítulo III do "Tarjuman al-Ashwaq",
do Shaykh al-Akbar [Grande Mestre]
Ibn al-Arabi
Ibn al-Arabi
a partir da versão em inglês
de R. A. Nicholson
Vós, razão e fé, meus dois
únicos
amigos
passai por al-Kathib
tornai por La'la
e, então
buscai
pelas águas de Yalamlam.
Pois lá, vós o sabeis,
estão aqueles
a quem pertencem
o meu jejum
a minha peregrinação
meus lugares sagrados
e dias santos.
Seu lugar de meditação
-não permitais que eu esqueça!-
é meu coração
seu lugar de sacrifício
minha alma
e meu sangue
seu manancial.
Ó condutor de camelos
caso peregrinares
faze assim:
- para teus animais um pouco
e saúda, naquelas tendas vermelhas no pasto,
aqueles que, distraídos,
anseiam por ti.
Caso respondam tua saudação
permite que o vento oriental devolva tua paz [as-salam] a eles;
caso silenciem, contudo
segue com teus camelos
para o rio de Jesus
onde as montarias repousam
e as tendas brancas se espraiam.
Lá, então,
chamai por quem responda
se lá, em al-Halba
estará ela
ela
a que brilha como o sol quando sorri.
sexta-feira, 29 de junho de 2018
Na magia do cotidiano
Cartas diante de mim
ao oráculo
no silêncio da manhã
perguntei:
-verei um dia
meu filho
Glauco?
A carta que veio
foi "O Mago".
Há uma dupla resposta aqui,
pensei.
E passei o dia a refletir
no significado:
se
ser mago pra vê-lo
ou se vê-lo
aqui, presente
na magia do cotidiano.
domingo, 24 de junho de 2018
Sobretudo notas de piano
Do cálice dourado
da Rainha de Copas
sorvo:
melífluo
de tons rascantes
o sabor de beijos
clandestinos.
Em turbantes
os convivas do banquete
rodopiavam
em confusão de panos.
Havia cítara
flauta e oboé
mas sobretudo
notas de piano
solenes
como ela
quando enraivece.
domingo, 27 de maio de 2018
Tudo aquilo que nos faz querer seguir
-Não está acostumado a ser cuidado?,
ela perguntou.
Não mesmo,
pensei
e tormentas meteoros caos chuva granizo lava fogo raios
depois
em verdade é até bom que tenha sido assim.
Aprendemos a confiar na própria força.
Já pensei na bala na cabeça,
não mentirei.
Mas cá estamos
e por que pensar nisso
se a vida nos dá
um boquete caprichado
a moça de quatro em nossa cama
cerveja
livros e poemas
música
chuveiro quente
alvoradas e estrelas
tudo aquilo, diabos
que nos faz querer seguir?
domingo, 6 de maio de 2018
Ela é prisioneira
Ela é prisioneira:
pressinto isso.
O discurso, demagógico
da liberdade
igualdade
etc.
etc.
não esconde o fato.
Ah, que pessoas
se deixam aprisionar
tão facilmente.
Mas não julgo.
Julgasse,
seria apenas
mais um
dos
carcereiros.
quarta-feira, 18 de abril de 2018
domingo, 15 de abril de 2018
Suja de cotidiano
Ela mostra os versos
"eis o esboço"
cascata poética
jorro de força lírica
suja de
cotidiano
"pode alterar"
desafia
"se quiser"
mas como interferir
nesse fluxo vital?
a poesia já nasceu
como é
eu apenas posso
senti-la
tentar compreendê-la
em minha têmpera
urbana
de sentimental
poeta.
domingo, 8 de abril de 2018
Você é tão diferente quando está vestido
Você sempre me faz
gozar
quando vem aqui,
ela disse
fingindo reclamar
mas satisfeita
— é claro.
Dei de ombros sorrindo
e abotoei a blusa.
Você é tão diferente
quando está vestido
ela disse
observando meu ritual
da camisa, calça
e sapatos.
Pareço certinho?
perguntei sorrindo
Parece mas
fode bem,
respondeu.
quinta-feira, 29 de março de 2018
Disciplinando o fogo no meu peito
Poemas alheios
Capítulo II do "Tarjuman al-Ashwaq",
do Shaykh al-Akbar [Grande Mestre]
Ibn al-Arabi
Ibn al-Arabi
a partir da versão em inglês
de R. A. Nicholson
No dia da partida
prepararam os camelos.
Elas, como aves
-pavões celestiais-
tomaram assento.
Delas
a mais bela
ela
cujo olhar mata
e cuja voz
revivifica
-como Jesus.
Sacerdotisa ou deusa,
é um mar vemelho
que como Moisés
desejaria atravessar.
Geniosa
fecha-se em silêncio
ninguém sendo digno
de sua companhia.
Diante dela
todos quedam perplexos:
muçulmano dos nossos
doutor judeu
patriarca cristão.
Ela, exigisse os Evangelhos,
com um simples gesto faria de nós
padres e bispos cristãos
ávidos estaríamos
para atendê-la.
No dia da partida,
pois
me preparei como para uma guerra
disciplinando
o fogo no meu peito.
Que aquela beleza e graça
me acalentassem
desejei
coração pela garganta.
E assim foi-
beleza e graça
ela concedeu.
Allah nos livre do mal e afaste a tentação!
Ainda assim,
enquanto os camelos a levavam,
ao condutor da caravana
suplicante eu pedia:
-Não, não,
não a levem embora...
sábado, 3 de março de 2018
Falou, apenas falou
Grunhindo e gemendo
suspirando muito
ela virou o rosto
e por sobre o ombro
falou, apenas falou
"caralho!"
olhos fechados e a expressão
das mais lúbricas que já vi
eu, acariciado em meu ego
de macho
redobrei
o rigor
das
estocadas
terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
Surreal, ela disse
Surreal, ela disse
imaginar
o beijo
em um balcão
pendurada em seu pescoço
em pleno
centro da cidade
surreal, pois
fadas dragões e grifos
voariam ao redor
tudo sendo pura mágica
em um café qualquer.
Acha que estou apaixonada?,
pergunta petulante
que o narciso em mim
viu nela olhos
de paixão
e, -como seja!-
você é importante para mim
digo
e ouço de volta.
domingo, 18 de fevereiro de 2018
Omissão da poesia
A poesia não pode falar
saiu a mensagem
mas era "faltar"
o que quis dizer.
Ato falho, ela sugeriu.
Quem sabe?
Faltar, não falar, são coisas diferentes.
Ou não.
Em ambos os casos
há a dolorosa
e imperdoável
omissão
da poesia.
sábado, 17 de fevereiro de 2018
E em amor se confunde
Poemas alheios
Capítulo I do "Tarjuman al-Ashwaq",
do Shaykh al-Akbar [Grande Mestre]
Ibn al-Arabi
Ibn al-Arabi
a partir da versão em inglês
de R. A. Nicholson
Se eles
sabiam,
de saber
eu gostaria:
seus corações
de que estirpe
eram?
Ah, saber também pudesse eu
por quais montanhas
cumes
e topos
tiveram eles
que passar.
Mortos, você os considera?,
ou em segurança
uterina?
É que em amor
tudo se perde
e em amor
se confunde.
Assinar:
Postagens (Atom)